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quinta-feira, 5 de agosto de 2010

UM CONTO DA NOSSA TERRA

ATÊNÇÃO
Esta história foi-me enviada pela Romana, esposa do Zeca Reis, tem como protagonistas pessoal das minas e é lá passada...
Partilho-a convosco...
Vejam se conhecem o autor...

☺ Conto de adormecer
“Ao menino e ao borracho põe sempre Deus a mão por baixo”…

Esta, a história verídica de um menino que, a não ter a mão divina a ampará-lo no momento preciso, talvez hoje não pudesse narrá-la na primeira pessoa com todo o rigor do pormenor, como narrou, porém sem grandes laivos de dramatismo.
Há sessenta anos, os garotos não requeriam a vigilância paterna quase obsessiva de agora nas suas exteriorizações lúdicas que envolviam todo um diversificado rol de brincadeiras. Tudo era diferente porque tudo era mais puro e tranquilo. O afastamento de casa a que obrigavam o futebol com bolas que a paciência materna urdia de farrapos e meias de vidro, e o jogo secreto das escondidas, não constituía grandes preocupações e temores para quem contraía a suprema responsabilidade da progenitura.
Um dia, porém, tudo correu de forma diferente, com contornos latentes de dramaticidade.
Era um fim de tarde de verão. A criança que havia momentos integrava um pequeno grupo de diabretes, de rompante posto em debandada como nuvem de andorinhas que subitamente desaparece do nosso campo visual, viu-se só e, em lugar de regressar para junto da mãe, a dois passos dali, iniciou uma caminhada em direcção a casa da avó (os avós exerceram sempre nos netos enigmático fascínio de secretismos e cumplicidades…). A ingenuidade dos seus quatro anitos impediu-o, porém, da noção da lonjura, e São Martinho, concelho da Covilhã, ficava a largos quilómetros da Panasqueira. Quis aqui o destino que o instinto, essa faculdade fantástica e indecifrável da mente humana o levasse a caminhar sempre pela estrada, e isso lhe terá definitivamente preservado a vida. Se o discernimento ainda em embrião lhe conferisse já raciocínio, decerto que optaria por encurtar caminho, como faziam os mineiros que, a pé, regressavam às suas terras, todos os dias, vestidos de lama por fora e barrados de pó por dentro, após mais um turno de suor e angústias, calcando o mato áspero e a carqueja crespa da serrania. Então, aí, talvez que tudo tivesse culminado na tragédia que todos passariam a carregar, colada às suas vidas, como cão danado que fila a presa impiedosamente até à asfixia.
Mas a sua determinação era tão vincada que, a dado momento, prestes a ser surpreendido na aventura, se atirou para a valeta da estrada ao aperceber-se da aproximação da camioneta dos empregados de escritório que regressavam a casa no final de mais um dia de trabalho. E seu pai viajava nela. E ele bem o sabia…
O sol escondera-se já e, com os pródromos da noite, o azul do céu progredia para tonalidades plúmbeas, anunciadoras do desabar da escuridão. Mas nada pesava ainda na consciência do garoto que, apostado na conquista de S. Martinho, prosseguia a sua marcha, decidido e confiante.
O lusco-fusco, entretanto, estendia já sombras intimidativas por toda a serra tomando progressivamente o pequeno caminhante de sensações estranhas, onde o desconforto de estar só o ia acordando para a realidade possível. Cada pinheiro ia ganhando formas de fantasma perfilado, oscilante e ameaçador, embalado pela brisa morna que a tarde deixara. Toda a massa telúrica se despedira já dos seus verdes e vestia agora um manto cinzento azulado lutuoso e inquietante. A Lua emergiu no horizonte e colara-se ao firmamento, mas era como se não estivesse lá. Na avareza do seu quarto minguante, nada iluminava e a ninguém protegia.
Vivalma! Nenhum automóvel, nenhuma camioneta que, ao passar, pudesse suavizar a inquietação do isolamento. Como, se o trânsito rodoviário era, por esse tempo, tão escasso e espaçado?! Só o piar de um mocho, por perto, lúgubre e quase funéreo, era o único indício de vida numa natureza silenciada pelo dia moribundo que definhava.
Paralisado pelo medo que lhe encurtara o limite da resistência física, o menino – esses dois palmos de gente que lhe conferiam os quatro anitos da sua existência embrionária – experimentou, então, pela primeira vez, a sensação demolidora do pânico. E como a torrente do ribeiro que vence abruptamente os escolhos amontoados, a criança rebentou num choro convulsivo que o acorrentou ao macadame poeirento que a modernidade dos anos cinquenta em breve iria cobrir de asfalto.
“Para onde é que o menino vai?” O garoto estremeceu. Suspendeu a respiração e… Santo Deus! Era, junto a si, a voz de alguém que o nevoeiro denso das lágrimas impediu de ver aproximar, surgido da curva da estrada, onde um castanheiro secular embalava, dolente, ouriços prestes a parir.
“Vou ter com a minha avó…” – articulou entre soluços.
O mineiro, que o sobrolho carregado tornava mais velho, fixou o petiz e não demorou a entender tudo. Sem desviar o olhar daquele rostozinho aflito, ajeitou o capacete, encaixou a alça do gasómetro no ombro ainda dorido do martelo, montou a criança nas costas e seguiram ambos em silêncio, um silêncio espesso marcado apenas pelo ranger das botas enlameadas na sarrisca, rumo à Panasqueira, de onde o menino em hora má decidira partir.
Largos minutos passados, o homem a quem a maldição da sua sorte designara uma vida triste e abreviada devolvia o ZEQUINHA aos pais que havia horas o procuravam por entre um esquadrão de gente a soçobrar de desânimo, descrente já no milagre do reencontro.
Esse homem que, como a toupeira aprendeu a ver o dia na escuridão das galerias, autómato da picareta e da pólvora a funcionar barato, ele a quem por sorte coube uma existência com horizontes de miséria a rimar com futuros de coisa nenhuma, escondia altruísmos e generosidades que a rudeza tornava ainda mais nobres.
Obrigado, Tonho de Cebola, pelo recado sublime que deixaste. Ignorado foi. Esquecido, também. Não importa. As atitudes mais edificantes de que o ser humano é capaz jamais requereram ovações fúteis e efémeras… O teu recado redobrou de grandeza se tiveres em conta a insignificância aparente da tua vida sem rumo que a desgraça elefantizou e a sociedade espezinha, estratificada há séculos na desigualdade que fere e humilha. Quantas vezes te não apeteceu, diz, pedir desculpa ao mundo pelo Zé-ninguém analfabeto e desafortunado que o destino fez de ti?!
Esta história navegou muitos anos o imaginário da infância de quem escreveu este texto, como conto de adormecer que o pai desfiou vezes sem conta arquitectando respostas engenhosas para perguntas a fervilharem de interrogações aflitivas.
«Pai, conta-me outra vez a HISTÓRIA do ZEQUINHA!». E o menino, vencido pelo sono povoado de inquietações e quimeras, adormecia…
Fernando Serra

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

ÁS GENTES DAS MINAS DA PANASQUEIRA

A TODOS OS QUE VIVERAM NO

"RIO" - "BARROCA GRANDE" - "PANASQUEIRA"

ESTAS IMAGENS NÃO SÃO MAIS DO QUE UM PEQUENO CONTRIBUTO PARA RECORDAR OS DIAS FELIZES DA NOSSA INfÂNCIA.